sexta-feira, 10 de abril de 2020

Medo

Meu medo é vento no deserto, que passa correndo pelo vazio;

Água no mar, revolve e desgasta as esperanças de encontrar uma ilha.

O medo de um pássaro procurando a flor.

Viu tudo quebrado;

Lobo desajeitado não sabe lidar com as horas.

Meu medo teme as horas.

À frente, um precipício e atrás... 

Meu medo dói, quando olha para trás.

O vazio dos cântaros, as náuseas do coração;

Meu medo enjoa, faz greve de fome.

E se fortalece das próprias fraquezas;

Zumbi do absurdo, nocauteia os últimos dias, dos dias intermináveis dele mesmo.

Perde os passaportes, de propósito, paralisa;

Fica, por já fazer parte do que é, de quem é.

Meu medo tem medo de si,

De partir, do que há por vir;

De virar a página e vê-la em branco.

Sabe desenhar como ninguém;

Mas está cansado de fazer mãos abertas;

É porque elas nunca saem do papel.

Então, meu medo viu que não adianta;

As mãos mentem sempre, ilusionistas.

Com pautas vazias, meu medo ensaia o rafe de uma mão vazia sorrindo,

Mas, no fundo, ele acha que mãos vazias não sorriem de verdade.

Então, mudo, se queda pensando.





Desencontros na Praça

No repetir da gangorra, 
Repartiram-se:
Nuvens e a lama do parque.
Ora voo, ora queda.
Pensei que gangorra fosse feita pra brincar;
Em cima, embaixo…
Só pra barriga esfriar.
E, tudo, nesse movimento, provocasse conexão.
Pulos certos, harmonia.
Mas há brincadeiras cujas causas compartimentam.
Quatro pés, em jogos de competição.
Dividem sentimentos.
Pois… da fissura que abriu-se em mim;
Nesse brincar, sem graça, no lugar que me venderam como praça,
Forjaram-se partes, que ficaram a se encarar.
Intimidaram-se, em enfrentamentos.
Na conversa, perceberam que precisavam dialogar,
Ambas gostam de bailarinas;
Paixões e gentilezas;
Jardins, equilibristas, nobrezas;
Caixas de música, rosas amarelas, girassóis,
Pés descalços, nos verdes gostos do saborear da pele planta.
Música, oceanos, água doce, 
Amam ouvir o ar, armar apelidos;
Costurar corações partidos.
Perdem-se na variação das luzes, nas horas do dia.
Encontram-se nas palavras,
E, por meio delas, sentem que são magia.
Vendo do que gostam, consegui que dissessem "olá", 
Desse cumprimento, abraçaram-se.
Nunca mais, precisaram em gangorras estéreis pousar.

Pessoas Poema

Quero ser boba, bobaça!
Quero só amor.
Pro senso comum, palhaça.
Ah, não que na minha vida não haja desgraça.
Há choro, há queda, há mordaça.
Mas que prevaleça sempre esse jeito de me reinventar, de compartilhar.
E de ter perto de mim pessoas poema;
Que transpirem todo esse esquema.

Abalo

Depois de berrar, andei sob a chuva, pousando os pés pelas poças, para não fazer barulho.
O abalo era tanto, que não cabia mais espanto, e só o que restava era silenciar.

Aurora

Aurora que escurece meus olhos;
Que precisa de tudo para ser quem é ou quase ser;
Que me cansa, me dança, me faz penar.
Porque o alzheimer é assim.
É sempre não, num quase sim.

Falência

O pelo molhado na derme quer arrepio, quer quem o leve. 
A madrugada treme, pela paz dos saciados; 
Defeitos, pecados. 
E, quando a intensidade padece do mínimo, 
A risada camufla a falência, de elevada potência.

Sem Tamanho

Ouviu uma música e desejou ter um amor que coubesse nela. 
Depois, entre suspiros, sorriu pra si, 
Na descoberta de que amores não cabem, excedem.

Cachoeira

Sentia toda a aflição do mundo, a começar pelo centro do peito,
A irradiar-se feito spray, para as suas periferias.
E lá, à margem de si mesma, 
Deixou-se percorrer num escândalo, sem julgamentos.
Dali, caiu em abismos, feito tromba d’água, quicando, entre as pedras, Desapegada. 
Deixando-se escapar em verdes limos. 
Da queda, ergueu-se; 
Livre,leve, límpida, 
Porque quedas são degraus.

Entrega

Esse criar incessante. 
Tem a ver com ser toda, a todo instante.

Presente

Teu olhar enriquece qualquer momento. 
Ele presente.
Eu, contente.

Objeto

Não sou minha;
Não sou tua;
Não sou algo que se tem.
Sou alguém que é.
E, por isso, não é de ninguém.

Viagens

Viajo-te
Viaje-me
Afrouxe os cintos

Balbuciar dos Anjos

É a palavra que me salva dos desfiladeiros. 
Palavra camomila, saída das xícaras; 
Colo de ninar, cadeira de balanço ao luar.
Palavra muda, que sai dos olhos e planta flores na gente.
Palavras que a gente sente.
Palavras também me sobem pelo interior das pernas.
De fato, dois alfabetos inteiros: um de cada lado.
Eles arrepiam, abalam, amansam e nunca se cansam. 
Palavras nascem na magia do divino. 
Deus, verbo. 
Verbo, ação;
Transmuta energia em palavras partículas. 
Partícula surgida no vácuo, no Campo de Higgs.
Gosto de estudar a Ciência Física da palavra.
De entender as origens das minhas vertigens.
Observei que palavra se comporta como onda, quanticamente; 
De maneira diferente. 
Depende de quem observa e entende.
Está na rua, quando a mulher para, e ouve o menino da calçada.
No seio da mãe, feliz e angustiada. 
No céu da boca da criança, nascem palavras estrelas; 
Balbuciar na lingua dos anjos.
Letras também se juntam pra dilacerar, desmembrar. 
Palavras podem amputar. 
Palavra é faca, revólver, bastão. 
Não deveria ser usada por quem não tem aulas de direção. 
Palavra necessita de certas habilidades, de habilitação.
Tinha que ter curso de palavrear. 
Palavra se cultua, colore, cultiva em campos de mutirão. 
Palavra é co-labore.
Coisa séria.
Palavra nunca é miséria.
Palavra é plenitude.
Tudo pode
É ela que sempre me acode.

Personagem

No escuro das palavras, letras.
No embaralhar delas, você.
No estalar de ossos, nos embaralhamos.
No esticar das fibras peles, laços.
Neles, abraços.
Massa de modelar que acompanha os finos traços do meu pensamento.
Você, que vem de dentro.
Personagem que não criei.
Paira em saraus, no espaço;
À beira dos livros sem capa.
Sobrevoa o deserto que há em mim,
No rasante das planícies.
E me move em cataventos,
Em constantes deslocamentos.
A fazer-se sentir, sem ter te tocado.
E, na solidão dos meus momentos, seduz.
Vem me dar a luz, pra eu te ver nascer.

Silêncio

Silêncio é o berro da ausência.
Os dedos, no impasse da partida.
Tabuleiro de labirintos,
Roleta russa, cegueira na chuva, meteoro rodando no espaço.
Eus mudos, na sala de espera.
Pode até ser laço;
Tem o gosto de quem experimenta.
Silêncio é restrição de próprios direitos;
Estado de exceção. 
É onde chega, não da onde sai.
Não é do jeito que o remetente escolher.
Arrebenta, mas pode encolher. 
Está na fertilidade dos canteiros;
Seta, na escuridão do outro.
Outro, que não se sabe como;
Emoções sem GPS.
Aprendi a deslizar em silêncios;
A patinar;
Seja pra cair ou pra me segurar. 

Pecados

Quis
Encontrar motivos pra te ver chegar,
Sem fugir, sem descolar, sem pecar, pregada à sua imagem pau e pedra, ferro e vidro.
Quis
Provar em silêncio o estardalhaço que a tua presença evoca, lambuzada em mordaças,
Fugida da escuridão.
Criança sossegada, no espiar das horas, a recolher olhares interditados, vetos, embargos e transmutá-los vadios, peregrinos, legítimos.⠀
Uma ideia, uma razão, um doce.
E, em torneios verbais, desejei, mais que quis; ⠀

Alçar-te pelas hastes,⠀

Em macios desgastes,⠀

Do talo ao regalo,⠀

Da dor de não ter, ⠀⠀

À dor do querer.⠀

Te secar das lácteas vias.⠀

E ver correr, ver correr.

E assim amarelada, aflita,
Assistir tuas tropas expandirem.
Entrincheirada. ⠀

Caravanas Ciganas

Apocalipse.
E eu? danço.
Danço, por já ter dançado na vida, tropeçado, caído, machucado.
Danço, pra bailar.
Danço, dos dois lados do verbo.
Último livro aberto.
E o juízo? Falha.
No insano, falham juízes, justiça, julgamentos.
Sobra dano.
Falha o alfabeto, até zebu.
Nada mais há.
Não há mais lugares. 
Ao redor, reinos derretem, no não.
No não sentido em nada.
Terror flagelado de significados, significantes, signos.
E eu? Eu lá;
Escorpião a bailar. 
Alma em armagedom, ombros para baixo, peito aberto, giro as mãos, acima da cabeça, braços, como vento… a bailar.
Estou a rebobinar, rever, regressar.
No dia da revelação, o extraordinário dos campos devastados vem até a mim, pra se desnudar. 
Abandono exércitos, demito profetas, dou às costas às catástrofes.
E, assim, como magia, como algo que transcende, que a mente jamais entende,
Percebo o céu a transmutar.
E as lágrimas? Chegam, no momento exato, pra fluidificar! 
Meu novo testamento se inicia numa caravana, que sei lá onde vai dar.
Tem choque, tem chuva, chamados… e a roda sempre a girar.
E de “ar” em ar, sem parar de bailar, 
De serva à senhora, tudo há de mudar.
Optcha!!

Encaixe

Encaixes palavrescos,
De lugares pitorescos, 
Por onde a língua pode passar.

Amo-te assim.
De página em página.
Povoando-te em palavras.
A fim de percorrer teu sim.

Plenitude

Eu te pijamo;
Tu me camas;
Nós dormimos;
E, quando o mundo acorda,
Eles nem sonham
O que sonhamos juntos

Extinção

Procuro palavras carnívoras.
Cavalos marinhos que nadam no raso.
Vou para baixo das algas, capturar o que a escrita predatória não alcança.
Porque qualquer letra, de qualquer alfabeto, não pode ser peça, nem decoração.
Palavra é animal em extinção.