quinta-feira, 31 de março de 2011

Presença

Não há outra saída;

A não ser dar-te tudo o que, em mim, escorre prece;

Os mais certos pedidos;

A mais limpa intenção;

Nasceste em meu mundo, no tempo em que ser mulher era só ensaio.

Agora, das letras que me escrevem,

São tuas as palavras;

Tijolos da torre.

Sobe.

E, devagar, deixa que te tragam;

Até aqui, acima do céu, via láctea, espetáculo;

Porque na escuridão do espaço, eu te vejo.

Dançarei, na areia, sob a lua, em nome disso.

Vou olhar pra cima e declarar que o desejo repousa, no fundo das conchas, eterno.

Habita a distância entre as montanhas;

Mora na sorte das estrelas cadentes.

O quanto te quero está na emoção, atrás das coxias, segundos antes da entrada;

Na pausa para a puxada das cortinas;

No céu, rasgado em fogos, em noite de ano novo.

E estarei contigo em tudo o que de belo teus olhos tocarem;

Na arte natural dos mais felizes encontros;

Porque é no extraordinário que nos revelamos.

Onde o sagrado põe-se a orar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Metáforas

O tempo, dizem os sábios, só existe na compreensão humana.

Hoje, quero nada de compreensão e tudo de humano.

Quero só este instante;

É o que há, de fato.

Viver, sem fim, as horas,

Em que, solitariamente, estou contigo.

Sentir, paralisada, o umedecer da planta;

Matar tua sede com sereno;

Levar-te à boca o orvalho desse frio que queima.

Quero ver subir brasa da terra,

Em dia de madrugada de sol;

Quando o peito se agitar em erupção,

Quero te soletrar os ciclones dos meus abalos;

Desprender em redemoinhos as mãos;

Pousar, no teu colo, toda essa ventania;

Postergar a chuva e, ligeira, apertar o passo,

E apertar o passo, apertar, apertar;

Até que todo o céu escureça e desabe;

Inaugurar o teu batismo.

Ser seu rito de passagem.

Estrear teu grito.

E sentada, te ver nascer.


quarta-feira, 16 de março de 2011

Fonte


Gosto de passar perfume à noite,

Depois, perco o cheiro no ar;

Perco.

Adoro ver a chuva escorrer pela janela;

Ganho.

Tô sempre com sede, 

Quase nunca, bebo água; reservo;

Meu pior defeito: a sede;

Meu melhor efeito: o último gole.

Exposição absurda desse ciclo motor.

Que seca e alaga.

Busca incessante, 

Ergue meu lado Golias,

Gosto de vê-lo crescer, crer;

Gosto de vê-lo cair;

Porque ele levanta David!

Fonte do meu exorcizar,

Faz catarata face, doce e sal;

A queda apronta meu ânimo;

Cresço.

Aí, fico surda de tanto pensar;

Minha cabeça é só barulho;

Tem sempre alguém, aqui dentro, de botas ou de salto, pulando;

Tem sempre um cheiro, um sinal, uma história, uma idéia, uma, um;

Tem sempre movimento;

Plenitude? Desconheço;

Não sei ficar parada,

Só sei morrer, de olhos abertos;

É essa sede que não acaba nunca...

Sou feita do “não cessar”;

Do incessante hábito da insatisfação, talvez;

Que brota no sertão das fantasias.

E germina em caravanas verdades.

Sou da espécie que sobrevive “apesar”;

Dos leões e das abelhas,

Dos lobos e dos gatos;

Sou carioca da gota, o lençol, de antes dos meus pés.

Abaixo das ranhuras da terra, que acumula, expande,

Vence em cachoeira.

É...seco, na superfície, pra despencar, por dentro;

Sem ninguém ver.

Caio, em Tejo;

Corro, em Thames;

Sonho, em Sena;

Viajo, em Nilo;

E, quando a seca me carrega em nuvens,

Sou toda entrega, de novo.

Toda, toda.

Para uma nova jornada. 

De altos, baixos e abaixos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Quântico

O melhor quadro que já pintei!

Pedrinhas nos vidros...

Um suspiro, mão na garganta, suspendo da cama, corto o ar...

Na ausência de ruídos, vejo você;

Uma serenata, com teus lábios bailando palavras sem som.

Sim, da falta fazemos abundância.

Lembrei de como acontecem milagres.

Não preciso de mapas.

Você sempre esteve aqui,

Ali, embaixo, sem saber;

Parado, achando graça, 

Balançando a cabeça, fazendo do “não” pro que há de sim.

Você sempre subiu,

Atravessou pelas paredes;

Você, que me lembra Pessoa e Lídia, à beira do rio,

Toma a minha mão;

Converte a minha fé!

Viu minhas vertigens,

Acariciou incertezas;

Você, pra quem escrevo de madrugada,

Quando as horas preguiçosas controlam meus dedos hipinotizados pela ideia da sua possibilidade.

É de você que lembro, quando quero brotar.

Está nas gravuras, impressas nos olhos que nunca viram;

No frevo das cores;

No que só a sépia é capaz de capturar;

E eu, encarnada, esqueci.

Está na virgindade do branco,

Grávida de potencial.

Em tudo o que pulsa, pro aplauso do estouro.

Você que não é osso, não é limite, não cabe no espaço;

Vence o tempo e me derruba.

Aquele que é.

Idéia, tato, conexão, está em todas as plataformas de chegada,

Em tudo o que é bom.