domingo, 30 de agosto de 2009

Mona Lisa Divorciada



Tenho nas mãos o conjunto inusitado da minha massa atômica;

Percorri, descalça, as ruas do mundo;

Enfeitei a alma com imagens, lembranças;

Vi luzes diferentes;

Onze da noite, em pleno sol;

Quando a certeza britânica do entardecer me abandonou, percebi que o céu brilhava, mas era noite;

Ou era dia, em plena noite, e eu ali;

Minha primeira Europa, acompanhada.

Será?

Na efervescência dos momentos, meu corpo era uma esponja;

Largada, no meio do oceano;

Boiando frívola, inflada, tonta de estímulos;

Tentava conter água do mundo na minha matéria miúda;

Liberar espaços entre as falhas da espuma, para então ser inundada;

Tinha nas mãos o conjunto inusitado e confuso da minha massa atômica;

Via nas ruas, mais que ruas;

Nas pessoas, mais do que rostos;

E tudo à volta borbulhava, no fogo das minhas idéias;

E eu ali, descalça, inchada, tonta, ardendo;

Tirei as roupas, colori a pele;

Cacique da minha tribo, em silêncio, comandei expedições, mundo afora;

Cinco países, muitas fronteiras;

Minhas divisas, meus limites;

Foram todos postos à prova, em cada momento que eu tentava traduzir;

Em cada suspiro de cansaço exaltado;

Em cada noite mal dormida;

Em cada hormônio alterado;

Ou conversa truncada.

E eu ali, descalça, inchada, tonta, ardendo, nua;

Sem saber se era noite, se era dia;

Indígena, esponja humana;

Tinha nas mãos o conjunto inusitado e confuso da minha massa atômica;

Nada era descaso, nada passava em branco;

Contemplei o feio e o belo, com a generosidade de um estrangeiro que a tudo quer provar;

Porque se eu queria conhecer mais do mundo, de verdade, já deveria saber que nele, há de tudo, como aqui;

Percebi que a indelicadeza do povo estranho é estranha ao meu povo, sempre hospitaleiro;

Tão estranha que deixo aqui um solo de castanholas;

Ouçam!!!!

Em Paris, a gente fica mais bonita;

Em Lisboa, volta pra infância;

Ó “menina”!!!!

Os canais de Amsterdã mostraram que água me faz bem às vistas;

Quando, pela última vez, a certeza britânica do entardecer me abandonou, percebi que o céu brilhava, mas era noite;

Eu, de volta, sem certezas. 

A noite insistiu.

O brilho do ouro, a torre, tudo escondido, no breu das minhas decepções;

Ainda tinha nas mãos o conjunto inusitado e confuso da minha massa atômica;

Com os trópicos aquecidos pelo calor da minha gente,

Entendi o sorriso da Mona Lisa;

Que a todos convida à coragem de encarar o vazio do escuro à procura de respostas;

Meu sorriso de Mona Lisa é uma viagem além mar, interestelar, interplanetária, interpessoal;

Um mergulho, uma aprendizagem;

Deslumbres, cansaços, inchaços, fraquezas, prazeres, desilusões;

Entendi perfeitamente porque aquele sorriso sem dentes, tão econômico

Havia rendido tanta contemplação.

E, “ulalá”!!!!

Sorrio como ela, assim, sem muito escândalo.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Solidão

Solidão é ter saudade de ouvir a própria voz

Ensina-me

O que pode ser sentir-se assim?

Como pode separar a emoção da fala, a indignação do grito?

Como aquietar energia?

Adestrar o pulso?

Correr, sem suar?

Suar por suar?

Como a vergonha consegue ser inquilina de um sentimento nobre?

Como pode ser sentir-se assim?

Como pode não querer voar?

Como podem pesadelos fazerem bem e sonhos demais fazerem mal?

E se fosse Freud?

Como pode alguém assaltar a existência,

Enchendo, sem transbordar?

Como se evita o próximo gole, quando a garganta reclama?

Quanto vale conter o sal e sorrir açúcar?

Até quando?

Como saber se, no fundo, isso tudo pode ser bom?

Como pode ser bom?



sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Espelho

Vem ouvir, “x”,

As “n” coisas que eu já te disse.

Ainda que teu rosto e alma não sejam os mesmos;

E o espelho de você desvende meu olhar refletido.

Vem sacudir meus sonhos;

“Bem-dizer” meus tempos; 

Entorpecer minha mente;

Balançar meus cabelos;

Tirar a paz dos lábios.

Vem, mesmo que sejas outro;

Mas que permaneças sempre na lembrança, de como sempre te conheci;

Apresente-se, o número de vezes que for necessário,

Para que eu te reconheça e possa sonhar que não és sonho.

Ateliê do Tempo

Sempre gostei de novela, de novelo, do que se desenrola;
Passei dias, horas, vidas, buscando me desabotoar dos nós;
Esticar a lã e iniciar um tricô, uma colcha;
Ter mãos habilidosas, talento de artista, costurar minha história.
Sigo experimentando as cores, selecionando os fios...
Construindo bordados, em cada volta desfeita;
Ponto a ponto, senhora do meu desenho, da minha arte encantada;
Brincando, acertando, errando, sendo
No tear do tempo.